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COLUNA DO MÁRCIO CARVALHO: Torça por uma garota

Texto 10

Sou professor da disciplina de Atualidades no Ensino Médio e a escolha dos temas é sempre analisada de acordo com algum acontecimento da semana. Em muitos casos, vejo um tema, busco diversas fontes de informação e preparo um material bem rico e com diferentes pontos de vista.

Dos temas atualizados do mês de junho, claro que não poderia deixar de nos chamar a atenção o bom e velho futebol. O mês começou de forma animadora para os apaixonados pelo esporte, pois tínhamos a Copa do Mundo de futebol feminino, realizada na França, e a Copa América de futebol masculino, realizada em solo brasileiro. Já sabíamos que a Copa América de futebol masculino chamaria a atenção das grandes mídias e da população brasileira de uma maneira geral, mas o que surpreendeu, e de forma positiva, foi a repercussão e a adesão da mídia, das campanhas de publicidade e, principalmente, da população brasileira em relação ao futebol feminino.

A aula teve início com uma apresentação do histórico da Copa do Mundo de futebol feminino, que, em 2019, está em sua oitava edição (sua primeira edição foi realizada em 1991). O torneio teve início no dia 7 de junho e se encerrará em 7 de julho. Uma grande novidade dessa copa está sendo a transmissão por um canal aberto de TV brasileira.

Entre as curiosidades abordadas na aula, contei que a jogadora brasileira Formiga se tornou a primeira atleta de futebol de ambos os gêneros a disputar sete Copas do Mundo. Já no duelo entre Austrália e Brasil, a jogadora brasileira Marta marcou seu 16º gol na história das Copas, e tornou-se a primeira, entre homens e mulheres, a marcar gols em cinco Copas do Mundo.

Ainda sobre a jogadora Marta, debatemos o fato dela não ter fechado nenhum patrocínio com as gigantes do mercado esportivo, porque não recebeu nenhuma proposta à altura do seu futebol, o que diz muito sobre o machismo no esporte. Assim, a atleta decidiu calçar a luta pela diversidade e estreou na copa com uma chuteira com duas faixas em tons de azul e rosa (símbolos da luta pela igualdade de gênero) e o logo da Go Equal, uma iniciativa pela equidade de gênero no esporte, que faz parte de uma campanha da ONU, chamada Mulheres em favor da igualdade salarial entre homens e mulheres.

Para promover um debate acerca da falta de patrocínio e de campanhas de publicidade, algumas jogadoras brasileiras fizeram um ensaio fotográfico que simulava a participação em propagandas de diversos segmentos, como higiene, produtos esportivos, cartão de crédito, entre outros. Essas imagens, chamaram a atenção de diversas empresas que abraçaram a campanha das atletas. A esse respeito, debatemos a questão da indústria cultural e fizemos diversas reflexões: as empresas estavam realmente pensando nas questões de equidade e abraçando a campanha ou somente estariam indo de acordo com a maré e se aproveitando do momento?

Ao preparar essa aula, tentei ter o máximo de cuidado para que não fosse uma aula em que apenas tecesse comparações entre o futebol masculino e o feminino. Outro ponto que me preocupou foi o fato de ser um professor homem se apropriando de um tema tão caro ao movimento das mulheres. Já em sala de aula uma dificuldade a ser vencida foi o fato de ainda alimentarmos uma ideia socialmente e historicamente construída de que futebol é coisa de homens.

Encerramos a aula com diversas reflexões de que a nossa mentalidade precisa avançar em muitos aspectos referentes aos critérios e aos valores historicamente construídos, porém uma certeza nos iluminou: um grande passo foi dado no reconhecimento de que as atletas da seleção brasileira jogaram com uma garota e, como uma garota, mostraram, para o Brasil e para o mundo, que futebol é coisa de mulher sim, é só jogar a bola no pé delas para ver do que elas estão falando.

(Eu sou o Márcio Carvalho, professor transformador, formado em História pela Universidade Federal de Viçosa. Leciono as disciplinas de História, Sociologia e Atualidades, e coordeno um projeto de estudos e práticas pedagógicas interdisciplinares, o GEPISA, Grupo de Estudos e Práticas Interdisciplinares em Sala de Aula.)