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COLUNA DO MAGNO ANDRADE: A escola e o afeto

Texto 4

No último dia de aula desta semana, quarta-feira (deve ser por isso que chamamos a semana de Santa), recebi uma lembrancinha de Páscoa de uma aluna: um pote de vidro muito bem decorado e cheio de chocolates. Alegrei-me muito e, com meu entusiasmo cotidiano, agradeci à aluna pelo presente. Ao sair da escola, refleti sobre o que levou uma aluna que conheci em meados de fevereiro a me presentear e se essa afetividade poderia afetar o processo de aprendizagem na sala de aula. Lembrei também de outros alunos que tive em outras escolas e da mesma afetividade que nos envolvia.

Recordei-me de uma situação ocorrida durante o período em que dei aulas de Português para a Educação de Jovens e Adultos: no primeiro de aula, ao me apresentar, um dos alunos levantou a mão:

– Você é professor de Português?

– Sou sim. Você gosta?

– Não. Eu disse ontem na aula de Matemática que nem queria conhecer o professor de Português, porque eu odeio Português.

Naquele momento, percebi que o desafio daquele ano não seria pequeno. Mas o aceitei! Respondi ao aluno que, até o fim do ano, ele iria mudar de ideia.

No último dia de aula, em dezembro, enquanto entregávamos a avaliação final dos alunos e confraternizávamos com uma mesa farta, este mesmo aluno me chamou. Com lágrimas nos olhos ele disse:

– Magno, gostaria de te agradecer. Hoje eu gosto de Português e nunca na vida havia aprendido tanto. E mais: durante o ano, várias vezes, eu pensei em desistir de estudar, só não parei por causa de você e das suas aulas e também da professora e aulas de Ciências.

Eu e a professora de Ciências nos sentimos realizados ao percebermos que a afetividade foi um divisor de águas no processo escolar daquele aluno.

Hoje, refletindo sobre a magia pascoal que nos envolve na Semana Santa, olhando o pote de chocolates que minha aluna me deu, conclui que os laços afetivos na sala de aula podem exercer grande influência nos processos escolares. O que me levou a outra reflexão: o que considero laço afetivo? Quais representações tenho sobre isso? Devo amar todos os alunos? Não, afinal somos e lidamos com seres humanos e, como em qualquer relação, em qualquer ambiente, existirão pessoas com as quais teremos mais afinidade do que outras. Não quero, por meio deste texto, romantizar a relação entre professor e aluno e nem dizer que nossas turmas devem ser como as de filmes e novelas: todos os alunos amando o professor e este amando aqueles. Se isso ocorrer, ótimo. Mas sabemos que nem sempre será assim.

Entendo por laços afetivos algo que extrapole aquele afeto ligado somente ao amor, ao carinho. Para mim, uma relação afetiva com alunos se dá por meio de uma espécie de “contrato afetivo” ou “contrato de confiabilidade”. Neste “contrato” (não uso esta palavra no seu sentido jurídico ou comercial, mas como um pacto, um combinado entre partes), discentes e docentes criam uma ligação que, além do próprio amor e do carinho, há uma relação de respeito, empatia, igualdade, troca de conhecimentos. Nesta relação, questões pessoais do afeto são deixadas de lado, e o “contrato” é estabelecido com todos os alunos. Para Valéria Amorim Arantes, professora da Faculdade de Educação da USP e organizadora do livro Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas, é por meio deste contrato que o aluno permite a troca. A troca de olhares, de saberes, de laços pedagógicos.

Quando, na sala de aula, quebramos o paradigma de que “eu sou o professor, autoridade dentro deste ambiente” e criamos, com os estudantes, uma relação de troca, pautada, sobretudo, pelo respeito, conseguimos ser ponte entre aquilo que os alunos já sabem e aquilo que eles ainda irão construir, ofertando uma construção do conhecimento mais leve, divertida e dinâmica. Para este processo, é fundamental conhecermos as especificidades de cada um de nossos alunos, precisamos estabelecer estes “contratos” um a um, olho a olho. É preciso, ainda, que os nossos discentes sejam sujeitos protagonistas do processo educacional.

Portanto, o “contrato de confiabilidade” ou “contrato afetivo”, refletido por meio do carinho, da empatia, da troca e, fundamentalmente, do respeito, é canal para que possamos ofertar aos nossos sujeitos uma construção efetiva do conhecimento, mesmo que tenhamos com um ou outro uma relação menos afetiva.

(Eu sou o Magno Andrade, um jovem professor transformador e fora dos padrões, que acredita que uma educação pública, democrática e de qualidade é direito de todos e fonte para uma mudança social.)