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COLUNA DO LUIZ RIBEIRO: Não sou preconceituoso, mas...

Texto 16

Hoje proponho discutir sobre como nossas expressões orais e comportamentais podem conter formas de preconceito. Quando nos questionam sobre sermos preconceituosos, é possível que todos nós tendenciemos, por força do hábito e pressão social, a dizer que não somos, que essa conduta é ruim e que abominamos tais ações. Mas será mesmo que, nos espaços educativos em que atuamos, não expressamos nem um pouco desses nossos sentimentos odiosos?

Se você não estudar, pode virar faxineira... Outro dia, essa falta repercutiu muito nas mídias sociais. Uma frase vinda de uma escola de elite, mas, cotidianamente, também nos vemos repetindo ideias que incidem quase que na mesma proporção que essa. Estudar fará você mudar de vida, fará você crescer, ser alguém... Ué, mas este aluno/a já não é alguém? Por que precisaria mudar de vida? Obviamente, o que estamos tentando dizer, nesse caso, é que, com estudo, as possibilidades de vida se abrem, mas deixamos de reconhecer as outras possibilidades para esse aluno.

Mas sua letra é muito redondinha para ser de menino! Eu escutei tantas vezes essa frase! Apesar de parecer sem marcas de preconceito, ela novamente traz traços de delimitações de gênero, sobre como pessoas – e letras – devem se comportar conforme preditivos sociais. Como se todo menino tivesse que ter letra feia, ser jogador de futebol e ter facilidade com cálculos. Pode ser novamente uma fala inocente, mas revela o quanto ainda limitamos as formas de ser e agir a partir da sexualidade.

Se você continuar assim, vou chamar o seu pai! Muito embora essa frase seja uma tentativa de “acertar” o comportamento do aluno, ela revela a crença de que todo aluno tem um pai presente e responsável, o que nem sempre é a realidade. E também indica que há mais efetividade da fala do pai do que da mãe na intervenção escolar, ou ainda, quer dizer que o filho só obedece quando o pai fala. Mas e a mãe? E se não houver pai? E se não houver mãe? E se for a avó? Dois pais, duas mães? Além de não respeitar as novas configurações e expressões familiares, acaba por ser punitiva, sem diálogo, sendo impetrável a ação do outro.

Essa família é desestruturada! Primeiro, para uma coisa ser desestruturada, é necessário que ela não tenha estrutura alguma e, assim, mesmo que seja uma família com formação estrutural para além do que é esperado, há ali uma estrutura, logo é impossível falar em família desestruturada. Isso acaba sendo um preconceito, pois julga a tipologia da unidade familiar e diz que o aluno está fadado ao insucesso em decorrência disso. Menos abusivo seria utilizar a expressão funcional: uma família se torna funcional a partir do momento em que afeto, limites e responsabilidades estão presentes independentemente da sua estrutura. Esta deveria ser a nossa preocupação, além dos conteúdos e junto com a comunidade escolar: promover a funcionabilidade das famílias.

Este menino não vai dar em nada! Ele escuta funk! Ele quer usar vestido! Ela quer beijar meninas! Ela se corta, como ela pode querer se tratar assim?! Não sou preconceituoso, mas... São tantas as expressões dessas falas e tantas marcas que causam nos alunos que me convido, e também aos amigos leitores, a repararmos no quanto ainda devemos nos atentar às repetições e reproduções de condutas dominantes que valorizam uns e menosprezam outros, ditam normas e enfatizam estigmas. Devemos nos questionar e propor que a escola e os professores cumpram o seu papel transformador quando auxiliam as populações no rompimento dos ciclos viciosos. É preciso dar atenção à própria fala e à conduta para conseguir isso!

(Eu sou o Luiz Ribeiro, colunista da rede Professores transformadores. Nas andanças pelas estradas de Minas, me situo como psicólogo e doutor em Educação. Acredito que ser um professor transformador seja crer no potencial da educação para a melhoria do mundo.)

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