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COLUNA DO FABIANO CACHAMORRA: A reflexão é inútil?

Texto 47

Por que colocamos poesias em provas? Por que estudar Filosofia? Qual o sentido de uma poesia em uma prova?

Este texto é apenas uma parte de uma reflexão que venho fazendo nas últimas três semanas e que não pretendo concluir aqui. Nos próximos textos, irei esclarecer melhor essas perguntas, mas, neste, gostaria de questionar o objetivo da educação pública.

Nesse final de segundo bimestre fiz uma maratona de Conselhos de Classe (COC), comparei cada um dos conselhos e o público que a escola recebia. E fui anotando minhas reflexões – são essas anotações que compartilharei com vocês.

Logo no primeiro COC, durante a avaliação das turmas e dos estudantes destaques, fui fazer a defesa de um jovem aluno. Chamarei ele aqui de Joaquim. O fato é que o Joaquim tinha apenas duas excelentes notas, as outras eram regulares ou abaixo da média. Durante a conversa sobre a turma do Joaquim, comentei como eles eram excelentes na minha matéria e que, nem de perto, percebia a indisciplina atestada pelos colegas. Falei sobre o fato do meu melhor aluno ser justamente o Joaquim e de como ele conseguia fazer uma conexão rápida entre a teoria que eu apresentava e o cotidiano. O seminário apresentado por ele, individualmente, foi o melhor em anos que leciono Filosofia para o Ensino Médio.

Meus colegas ouviam espantados o meu relato, alguns até com certo sorriso de escárnio no rosto. Finalmente, uma colega me perguntou: Mas, professor, qual disciplina você leciona? Respondi: Filosofia. Ela, com sorriso no rosto, devolveu: Claro. É uma matéria para estudar “viajandão”! Fazendo menção à suspeita do meu estudante ser usuário de maconha. Esse desprezo à Filosofia acabou respingando em outras disciplinas, cujo objetivo os colegas colocam como sendo o do propósito da reflexão. Um debate longo se deu, mas qual é o propósito da escola afinal? Transformar o estudante em mais um trabalhador para o mercado? Um cidadão crítico?

No COC seguinte, a mesma dinâmica: a avaliação das turmas. Na minha opinião, todas são sensacionais. Na estrutura que combinei com as turmas para avaliação, os estudantes levam minha prova para fazer em casa e me entregam na semana seguinte. O propósito é que eles possam usar outros recursos para responder as questões e, principalmente, que reflitam sobre as questões do cotidiano usando o conteúdo teórico. Quando falei que avaliava as turmas como sensacionais, uma colega, irritada, disse que eu não levava a sério o processo de avaliação, justamente porque, com o meu método, os estudantes não estavam se preparando para o ENEM ou para outros meios de avaliação. Nos tornamos isso então? Preparatórios para vestibulares e concursos? Dar ao estudante uma avaliação fora dos padrões tradicionais é ruim porque não prepara ele para o ENEM?

No último conselho tudo correu bem, mas a grande frase veio de uma colega que havia encontrado um ex-aluno trabalhando em um hortifruti da região, e, com orgulho, disse que preparamos nossos estudantes para trabalhar no comércio local. Logo uma série de relatos de encontros como esse começaram a circular – em mercados, supermercados, lojistas e por aí vai. Enquanto ouvia essas questões, me perguntava qual o objetivo da escola pública afinal? Em momento algum questionamos a sociedade e a forma como nosso trabalho tem sido violentado pelo Estado.

É o início de uma reflexão, não tenho respostas, mas pretendo compartilhar nos próximos textos o que ando descobrindo sobre essas questões. E então? A reflexão é inútil?

Abraços no coração!

(Fabiano Cachamorra, professor, filósofo, sociólogo e idealista da educação amorosa. É professor do sistema socioeducativo do Rio de Janeiro é sobre isso que escreverá para vocês às segundas.)