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COLUNA DA NÍBLIA SOARES: A realidade distante

Texto 2

Uma inquietude chega, decide ficar por uns dias. Ela me pergunta sobre a realidade. Insisto que não é o momento, que podemos esperar um pouco mais. Não. Desses “nãos” da vida que, por vezes, temos que acatar ou seria acolher? Certo é que ela ficou e me fez perguntas duras sobre a vida, sobre a vida de professora.

Vivendo um quase luto pelo meu gatinho Bob, que está indo, aos poucos, embora por uma doença chamada Felv, acolhi a inquietude. Ela se expandiu... Tão pouco eu sabia sobre essa dor... Coincidentemente, assisti a uma reportagem sobre a dificuldade de inúmeros alunos chegarem às escolas para suas aulas. Os rincões do Brasil... Ah! É assustador o quão pouco sabemos sobre essas dores: andar quilômetros, atravessar rios, sentar-se ao chão, a fome na hora do lanche que não vem. Revezar o calçado único com o irmão que estuda no outro turno, amar aquela professora que, por condições melhores de trabalho, se vai.

São recortes tão pequeninos do que sabemos tão enormemente pouco! Fui professora de escola pública em uma cidade metropolitana de Belo Horizonte e pude vivenciar experiências tão ricas com toda aquela falta. O improviso, a criatividade, inúmeros lápis emprestados que nunca retornavam, tudo com muito amor. Era ele, o amor. Diariamente, eu me deparava com problemas que não conseguia resolver, muitas frustrações. Eu tinha 18 anos, nenhuma experiência e todos os sonhos do mundo para aquelas crianças.

A falta! Essa maldita, hoje, conheço, analiso, protesto, descrevo. Fico frente a frente com ela, como com a dor da perda. Tudo é perda! Que Brasil adoecido estamos vivendo. Amanhã, nossa rotina é a mesma, e a dessas crianças e professores, para quem tudo falta, também. Minha inquietude me fez parar no tempo, voltar e novamente fazer perguntas. O que eu faço para que isso mude? Quantas vezes, no meu ano letivo, me lembro dessas crianças e de suas lutas para estudar? E, se eu quisesse começar a fazer algo amanhã, o que poderia ser? Como começar?

O escrito de hoje quase chega a ser simplório, repetitivo em suas questões. Mas as dores que vivemos, as lutas que não vemos, o luto que se instala pouco a pouco, o ser professor no centro da cidade grande, tudo isso pode nos impedir de enxergar o outro. Faz com que nos afastemos da realidade que é possível, mas ainda não existe para muitos. Olhar para um pouco mais longe da nossa rotina, pensar e encontrar soluções, vamos?

(Eu sou a Níblia Soares, colunista da rede Professores transformadores. Sou professora de crianças que acredita na educação positiva e na afetividade como parte do processo de aprender. Mãe! Pedagoga, psicopedagoga e especialista em Psicanálise, transformo vidas diariamente. Essa é a minha paixão.)