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COLUNA DA MICHELLE RISTOW: Os meus amigos invisíveis

Texto 15

Quando eu era criança, conversava com muitos amigos invisíveis. Sempre tive vários amigos assim e cada um tinha um nome. Nossas brincadeiras eram variadas e uma delas era eu sendo a professora, distribuindo as provas que fazia na escola para cada um deles sentados no chão da sala de TV do apartamento onde eu morava com a minha família.

Eu chamava a atenção deles, falava que iria tirar a prova porque estavam tentando colar, levava para a diretoria, pedia silêncio, mas não me lembro de ter um momento de pura brincadeira dentro do nosso contexto escolar da época com os meus amigos invisíveis. Era sempre uma cobrança, carregada de uma certeza de que eles eram danados. Eu? Eu só tinha entre sete e nove anos.

Relembrando isso, quis continuar minha trajetória de vida e segui com as lembranças dos próximos oito anos de escola e não encontrei, em minhas memórias, a colaboração, mas achei a competitividade. Enxerguei a individualidade a olho nu e, muito empoeirado, lá jogado em um canto, vi poucos agrupamentos em meus momentos de escola. Acostumei, cresci, reproduzi.

Eu pensava que o correto na vida era darmos conta de tudo sozinhos, e sermos os super-heróis, ou, eu, no caso, uma super-heroína para receber bons méritos, ser bem vista e, aos olhos dos outros, ser bem incrível.

Quando optei pela minha segunda formação, em 2014, e comecei a cursar Pedagogia, percebi que, a cada encontro na faculdade e nos cursos que eu fazia fora do ambiente universitário, mas todos ligados à Educação, o coração palpitava mais certeiro. As coisas pareciam andar num ritmo diferente e, mesmo com as inúmeras renúncias que eu atravessava na época, não tinha mais o peso de uma vida competitiva e nem a certeza de existir somente um modo de vida para habitar neste planeta.

O cérebro e o coração pareciam ter encontrado, pela primeira vez, um certo equilíbrio, pequeno, tímido, mas eles estavam alinhando. Em 2016, ainda cursando a faculdade de Pedagogia, apareceu, em meu caminho, a oportunidade de trabalhar em uma escola diferente de tudo o que eu já tinha visto, vivido e sentido. Uma escola que considera a mente, o corpo, o espírito, as relações e o mundo como os cinco eixos principais de trabalho no desenvolvimento da criança e que só trabalha em grupo.

A pergunta era constante em minha mente: E agora, José? Como fazer isso? Como trabalhar nessa escola? Relembrei minha versão professora da infância, das minhas poucas vivências em grupo na escola e sentia que seria um grande desafio carregado de aprendizado.

Mas recebi acolhimento, logo, me senti pertencida ao grupo e, desde então, está sendo um ato constante de aprender e (re)aprender uma das coisas mais difíceis para mim até hoje.

O perguntar, o compartilhar, o esperar, o ouvir, o gritar se preciso for pedindo socorro, aceitar a ajuda do outro e, de fato, ver que, dia a dia, a iluminação é uma atividade de grupo. É assim que resolvemos cada problema que temos dentro da escola, cada questão que precisamos decidir e nos debruçar.

É também em grupo que ficamos pilhados uns com os outros, mas também em grupo que achamos, juntos, a luz que nos faz seguir adiante e aceitar o grande desafio que é repensar a escola todos os dias em meio a tanta impermanência.

À frente de toda a minha história, existiram e existem pessoas que me ouviram e que me ouvem, que confiaram e confiam, que ofereceram e oferecem possibilidades, que me ajudaram e me ajudam a dar vida neste capítulo que dura pouco menos de cinco anos da minha vida. E o mais bonito? É que, mesmo hoje, não brincando mais com meus amigos invisíveis, eu consigo imaginá-los em rodas de brincadeira ou de conversas, bem aqui, no chão da minha sala. E nas crianças com quem convivo todos os dias, observo e me alegro, com a potência e as infinitas possibilidades que carregam.

(Eu sou a Michelle Ristow. Transformadora de mim mesma. Uma sonhadora consciente da realidade e esperançosa por natureza. Acredito na relação que oferece espaço, promove autonomia e considera o lugar de fala do outro. Gosto de aprender brincando, ouvindo histórias e conversando.)