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COLUNA DA MARIA ALZIRA LEITE: Ser ou não ser professor!

Texto 5

Grão de areia,

quase nada,

inútil quando sozinho.

Mas que é terra,

a terra,

quando o grão é grão

fazendo parte do chão,

esta coisa firme

por onde o homem caminha

(MELLO, 1978, p. 13).

Eu sou uma profissional das letras, mais especificamente, uma linguista. Há mais ou menos 10 anos, as minhas pesquisas giram em torno da Educação. Algumas vezes, perguntam-me se eu sou pedagoga, pois as minhas preocupações permeiam a imagem docente, a formação do professor e o seu agir. Atrelados a isso, emergem, também, os meus anseios relacionados ao ensino-aprendizado.

Eu escolhi ser EDUCADORA! Na verdade, eu sou uma defensora do ser professor. Interessa-me analisar e compreender os discursos de/sobre docentes. Procuro compreender a dinâmica das representações que cerceiam o trabalho desse profissional e, ainda, como estas podem se refletir nas reconstruções identitárias.

Nesse curto período de pesquisas, o que posso dizer? A nossa situação é muito preocupante. A nossa imagem é delineada positivamente ou negativamente pelos próprios profissionais de ensino e/ou pelos alunos, em formação, futuros professores.

Não quero me deter a um discurso de lamentação, conduzido pelo negativismo! Porém, acredito que a temática é séria e precisamos abrir um espaço de discussão sobre os acontecimentos que ultrapassam a sala de aula e se refletem em nosso bem-estar e na nossa autoestima.

Na última semana, um fato me chamou a atenção! Após um dia de trabalho em sala de aula e orientações, cheguei em casa para descansar. Por volta das 21 horas, recebi uma mensagem, pelo telefone, de um colega. Este teve que dispensar os alunos um pouco mais cedo, pois não se sentia bem. O embargo da voz e o choro ilustravam a voz trêmula. Enquanto ouvia a mensagem, pensava: o que será que houve? Liguei logo em seguida para o professor, mas ninguém atendia. Fiquei muito preocupada. Depois de uns 15 minutos, diante da minha insistência, ele atendeu, dizendo que estava cansado e gostaria de ficar sozinho; queria dormir; esquecer e descansar.

No outro dia, o professor entrou em contato. Salientou que, na verdade, um mal-estar se desencadeou na aula e esta não havia corrido bem. Cabe destacar que esse docente é extremamente comprometido! O seu trabalho contempla os cursos de Letras e Pedagogia. O foco da disciplina, naquele dia, era leitura e produção textual, então, as atividades se concentravam não somente no aprimoramento da própria escrita, mas também em reflexões sobre a prática com a leitura e com a escrita desse profissional que, naquele momento, estava ali como um aluno/professor em formação. Esclareço que muitos desses alunos, inclusive, já estão em sala de aula, como docentes.

Na sua descrição, pelo telefone, o professor disse que, durante a aula, alguns discentes começaram a reclamar em voz alta que não estavam gostando da disciplina, que eram tratados como crianças. Enfatizaram que as atividades postas eram cansativas, sem graça. Imediatamente, o professor abriu uma discussão, convidando-os para uma coprodução de aula: O que podemos fazer para melhorar? Quais sugestões vocês teriam para um outro tipo de aula? O que vocês sugerem? Como vocês poderiam me ajudar? De repente, os risos pairavam no ar, juntamente com o “não sei”. Um “não sei” ancorado na ideia: Você é o professor. Você é quem sabe. Não gostamos da instituição. Não gostamos da aula. Esses enunciados vinham junto com palavras de baixo escalão.

Eu fiquei muito triste, ao ouvi-lo. Fiquei com vontade de chorar. Eu tentava entender a situação, pois conheço o professor e a sua dedicação. Tenho ciência do seu cuidado com a preparação das aulas, o cuidado com as especificidades de cada aluno! É muito duro preparar atividades com zelo, tentando articular a teoria à prática e ser ridicularizado. Vejam bem: não estou dizendo que os docentes não possam ser questionados! Não é isso! Faço referência ao modo como conduzimos os nossos posicionamentos, independentemente do lugar onde estamos: aluno e/ou professor.

Nesse viés, gostaria que essas minhas palavras ecoassem! Que elas pudessem fazer sentido, principalmente, para aqueles que estão na busca pela docência!

Ser professor não pode ser a última opção! Eu não posso “odiar” Letras e Pedagogia, por exemplo, e estar numa sala, insistindo na formação. Somos referência para muitos! Por mais clichê que pareça ser: fazemos escolhas! Não podemos culpar o outro, a escola e a aula pelas decepções! Podemos, sim, recomeçar, buscando novos caminhos.

O respeito comigo mesmo e com o outro deve estar num primeiro plano!

Referência:

MELLO, Thiago de. Poesia comprometida com a minha e a tua vida. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

(Eu sou Maria Alzira Leite, professora transformadora, pesquisadora de temas que envolvem discursos de/sobre professores. Atualmente, estou como docente no Centro Universitário Ritter dos Reis/UniRitter, em Porto Alegre-RS.)