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COLUNA DA JÚLIA SCHNNOR: Drogas: para além do proibicionismo

Texto 15

Fulano está emaconhado. Quanta marola! É muita droga naquele corpo, fala uma professora. Aquele lá é conhecido como Zé Droguinha, fuma antes de vir para a escola, confidencia a mim uma estudante. Essas frases opinativas são comuns no ambiente escolar, já que muitos jovens têm, nessa fase da vida, um primeiro contato com substâncias psicoativas.

 

No entanto, parece existir, na sociedade, uma linha imaginária maniqueísta entre os que não utilizam ou nunca experimentaram drogas lícitas e ilícitas, e aqueles que fazem ou já fizeram uso. A maioria das ações sobre drogas no ensino escolar tem especialmente a intenção de treinar os estudantes para resistirem ao primeiro uso e, de forma geral, coibir essas experiências. Está funcionando? Será essa a melhor ou a única alternativa?

 

A opção tradicional quanto ao uso de drogas adotada nas escolas tem como referência o proibicionismo e a repressão por meio de um discurso baseado no medo. A guerra às drogas é limitada e pouco viável, pois essa perspectiva parte do princípio de que é necessário diminuir a demanda do produto ofertado aos jovens, combatendo o tráfico. Ao lermos as notícias sobre traficantes, muitos deles agindo com aviões nas escolas, sabemos que essa visão é insuficiente.

 

Como professora de História, sei que o uso de substâncias psicoativas foi usual durante o desenvolvimento das sociedades humanas. Também reflito que não ocorre o fim do uso de psicoativos somente com sua proibição. De nada adianta pedir ao Fulano que não use drogas ou, em uma tentativa de assustá-lo, associar o seu futuro ao fracasso. Assim, o mais fácil é quebrar o vínculo de confiança que podemos construir com ele.

 

Há outro caminho para a promoção da saúde pautado na informação, no diálogo, no acolhimento e na valorização das pessoas como atores de sua própria saúde. A redução de danos, como é conhecida, é uma proposta reconhecida pelo Ministério da Saúde como forma de prevenção e cuidado para o uso de drogas.

 

Sua principal arma é a informação, pois considera as pessoas como atores sociais, com vulnerabilidades sociais e históricas, levando em consideração a vida do estudante como um todo.

 

Na minha primeira escola como professora, frente aos reincidentes casos de estudantes utilizando maconha antes de ir para a escola, questionei os colegas se não poderíamos começar a trabalhar sob o viés da redução de danos. A resposta foi o silêncio. Ninguém conhecia essa perspectiva. De forma geral, temos pouca instrução para trabalhar a empatia e a valorização da autonomia, quesitos fundamentais para a redução de danos.

 

A principal questão não é moralizar o consumo da droga, enfatizar a ilegalidade de seu uso e, por fim, colocar o usuário como criminoso. Ser redutor de danos é criar vínculos, é promover a autonomia. Nesse viés, a escola auxilia o estudante na reflexão sobre os perigos e o auxilia na redução do uso, ao fornecer informações para que isso ocorra de forma segura e saudável. No lugar de guerra às drogas e de maniqueísmo, podemos ter práticas escolares que promovam saúde e vejam o estudante com toda a complexidade social e humana que ele tem.

 

Obra para aprofundar:

SODELLI, Marcelo. Uso de drogas e prevenção: da desconstrução da postura proibicionista às Ações Redutoras de Vulnerabilidade. São Paulo: Iglu Editora, 2010. 155 p.

 

Agradecimentos:

Myro Rolim, redutor de danos que atua em São Paulo.

 

(Eu sou a Júlia, mestre em Comunicação e professora de História. Atualmente sou coordenadora pedagógica de uma escola de Ensino Médio. Acredito em uma convivência escolar a partir do compartilhamento de saberes, vivências e, principalmente, afetos.)

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