Voltar ao site

COLUNA DA HELENICE SCHIAVON: No topo da lista

Texto 11

Não sei de vocês, mas esta pausa das aulas e o início das férias escolares sempre me faz pensar na vida que levo: tem sido adequado o tempo que destino às obrigações diárias (em casa e na escola), dividindo o relógio em três grandes tempos – o meu, o daqueles com quem tenho uma relação mais próxima e o dos meus alunos? Tenho pensado na qualidade das refeições que faço, na frequência das risadas que dou, no respeito aos silêncios que preciso? São suficientes as oportunidades que me dou para o ócio, o afeto, a leitura e o lazer? Poderia viver mais intensamente a minha vida?

Confesso que a resposta a estas questões nunca vem tão fácil e nem se dá apenas pelo simples dizer de que está a se iniciar ou a se findar o recesso escolar, mas há uma pergunta dentre as perguntas que realmente me intriga: que item eu deveria colocar no topo da minha lista e que me faria viver mais intensamente como pessoa e também como professora?

Ao me arriscar a responder a crucial pergunta – e, para o caso de haver um único item comum para o topo desta lista – sou levada a pensar que difícil mesmo seria mantê-lo assim, tão em destaque, tão prioritário e único o tempo todo. Afinal, a parte que falta em mim em família, tantas vezes sobra na sala de aula... Ou, inversamente, a parte que é fartura em mim lá em casa resiste em estar na escola... Quanto a isso não há de se apontar o dedo, posto que somos sempre abundantes ou falhos, onde quer que estejamos.

Pensando assim, na fartura e na indigência que há em mim, e que levo sem nenhuma vigilância para os lugares onde estou, creio mesmo que o item que deveria ir para o topo da minha lista – como pessoa e professora – deveria ser a humanidade.

Ao assumir-me humana em casa, eu poderia deitar-me na rede para ler os gibis, esquecendo-me por completo dos afazeres e dos compromissos marcados, pelo simples prazer de deixar o sol tocar, generoso, as minhas mãos já no início da manhã. Poderia chorar na cena do filme da tarde, desligar o celular...

Ao assumir-me humana na escola, eu poderia fechar a porta da sala, confidenciar uma história pessoal, ler um livro de poesias inteiro, fazer um elogio aos olhos de Maria – tão parecidos com os de minha irmã – e outro elogio ainda ao sorriso de Pedro – que me faria rir sofregamente com suas piadas...

Ao colocar a humanidade no topo da minha lista, viveria a única vida que tenho: intensa, farta e para sempre livre das indigências.

(Eu sou Helenice Schiavon e atuo como professora de Língua Portuguesa em uma escola internacional de São Paulo. Acredito numa educação centrada nos alunos, em suas competências e em seus direitos. Com professores, atuo como facilitadora de práticas com lógicas inovadoras, como a narrativa de vida, e outros mecanismos epistêmicos de aprendizagem.)