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COLUNA DA FERNANDA CLÍMACO: Não estudei para limpar bunda de criança

Texto 15

Mas eu não estudei anos para limpar bunda de criança. Ponto.

Ainda me assusta chegar a uma sala de aula, em uma escola de Educação Infantil ou em um curso para professores e ouvir essa expressão. Há alguns anos, ficava estarrecida e achava um absurdo uma professora não entender que trocar fraldas, fazer higiene e ensinar a limpar a própria bunda têm o mesmo peso e valor curricular que aprender as letras, por exemplo. Para as crianças de dois, três anos, tem maior importância ainda!

Acredito que um dos maiores desafios encontrados na Educação Infantil é a compreensão de que cuidar é educar. Historicamente, estudos que apontam para os aspectos assistencialistas nas políticas públicas voltadas à educação para a infância identificam o trabalho pedagógico fragmentado e descontextualizado com a realidade da infância. Se, antes, o foco era assistencial, atualmente, ainda se confunde a postura do cuidado com as práticas educativas. O que se busca é criar uma fusão entre esses dois aspectos essenciais no desenvolvimento infantil e no trabalho pedagógico do professor de crianças pequenas: cuidar e educar como momentos únicos, planejados, refletidos e construídos no cotidiano escolar.

A educação de crianças pequenas possui especificidades em relação à educação realizada em espaços privados, como, por exemplo, pela família ou babás, e a mesma deve ser complementar a esses núcleos. Sendo assim, o professor da infância desempenha um papel fundamental quando qualifica os momentos de cuidados na escola e eleva, dessa maneira, as concepções de educar e cuidar para a promoção da saúde e bem-estar das crianças ao abrir espaços significativos para novas aprendizagens. Limpar e ensinar a limpar a bunda deve ocupar, no planejamento docente, o mesmo espaço que outra atividade ou experiência ocupam. O tempo e ações investidas na higiene, no sono e na alimentação devem ter igual ou até mesmo maior importância nas propostas pedagógicas para a infância.

A retirada de fraldas, por exemplo, implica em uma série de conquistas e, ao mesmo tempo, traz inseguranças para a criança, para as famílias e para o professor. Depois, ir ao banheiro, despir-se, limpar-se sozinho, jogar papéis no lixo, vestir-se, lavar e enxugar as mãos significam aprendizagens importantes e que fazem parte de um processo de construção de autonomia das crianças que deve ser planejado, observado e cuidado pelo professor, pois leva tempo, demanda pesquisa, registro, reflexão, ação, conversa com coordenação, família... É um desafio, porque há uma preocupação com conteúdos específicos, e limpar a bunda parece ter menos peso na grade curricular das escolas infantis.

Hoje, ainda me sinto indignada com esse tipo de fala, mas, como professora transformadora, busco aceitar essa falta de conhecimentos sobre as práticas pedagógicas na infância e trato logo de provocar outras perguntas que levarão à reflexão sobre o que as crianças pequenas aprendem na escola e sobre o papel do professor de Educação Infantil. Assim, acredito que estamos avançando. Tenho escutado menos a fala e visto cada vez ações associadas.

Por fim, como professora da infância, é meu dever cuidar integralmente da educação infantil. Ponto.

(Eu sou a Fernanda Clímaco, sou professora transformadora, mestre em Educação e pesquisadora da infância. Atualmente, trabalho com consultoria e formação de professores da Educação Infantil. Sou professora de professores e acredito que a gente pode mudar o mundo!)

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