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COLUNA DA ELÔ LEBOURG: Feliz dia do professor transformador

Texto 92

Temos visto o avanço de uma onda neofascista e com viés antidemocrático no Brasil e no mundo. Por aqui, nos últimos anos, a situação da escolarização, que já apresentava problemas históricos e estruturais, complicou-se de forma assustadora.

Convivemos com o congelamento dos investimentos em Educação, com os impactos de uma Base Nacional Comum Curricular e de uma reforma do Ensino Médio que parecem funcionar, na prática, como uma forma de desqualificar ainda mais a educação escolar. O pensamento crítico tem sido percebido, pelo governo e pela sociedade, como algo ameaçador, a ser combatido. Movimentos conservadores, como o Escola sem Partido, incutem entre as pessoas a ideia de que os professores são agentes doutrinadores que estão engajados em implantar o comunismo e em “transformar” os alunos em homossexuais. Por isso, oferecem estratégias de denunciar e de expor os professores. Livros têm sido censurados nas escolas, nenhuma abordagem sobre as religiões de matrizes africanas parece ser bem-vinda. Qualquer conversa sobre assuntos considerados “polêmicos” tem funcionado, com mais frequência, para justificar a demissão de professores na rede privada. Para piorar, continuam sendo frequentes os casos de violência física, verbal e psicológica contra os docentes.

É. Continua não sendo fácil ser professor.

Mas já ouvi que “nada é tão ruim que não possa piorar”. É por isso que, no Dia do Professor, os rituais de congratulação nunca me parecem suficientes. Tampouco comparar a prática profissional dos docentes a um “dom” ou a uma “missão”. Menos ainda afirmar que se nasce para ser professor. A docência é uma profissão e requer formação adequada para que seja exercida com rigor e qualidade, mas o senso comum ainda insiste em acreditar que o “bom professor” é aquele que segue uma vocação, que trabalha quase que exclusivamente por amor.

Professor é sujeito que luta. Por um salário justo, por uma estrutura minimamente adequada para que desenvolva seu trabalho, pela valorização de sua profissão, pela superação das desigualdades sociais. Tem muito professor que estuda pra caramba, que se equilibra entre a rotina puxada e o reconhecimento da necessidade de seguir se formando. Tem professor que dá aulas nos três turnos, em cinco dias da semana. Que trabalha adoecido. Que apanha em sala de aula e volta para trabalhar no dia seguinte.

O que temos, como sociedade, oferecido aos nossos professores, além da violência, do descaso, da desvalorização? Ouvimos, o ano todo, que Professor gosta de fazer greve, porque não quer trabalhar, que Professor reclama de barriga cheia, afinal, tira férias duas vezes por ano, que Ser professor é fácil: basta repetir a mesma aula todo ano.

Professor luta pelos alunos, pela escola, pela sociedade. Recebe agressões, simbólicas ou físicas, durante toda sua trajetória profissional, o tempo todo. Quando a sociedade para, uma vez por ano, para enaltecer seu “dom”, não tem como isso me parecer suficiente ou elogioso.

Eu sou professora e quero uma sociedade que lute ao meu lado. Porque sozinha eu não consigo transformar muita coisa.

(Eu sou a Elô Lebourg, idealizadora da rede Professores transformadores. Entre tantas coisas, sou graduada em História e mestra em Educação. Sou uma professora transformadora também, dessas que acredita que vai mesmo melhorar o mundo.)