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COLUNA DA ELÔ LEBOURG: A professora megera

Texto 89

Moro em uma cidade que sempre recebe excursões de estudantes interessados em conhecê-la. Crianças e jovens vêm aqui para aprender um pouco mais sobre a história da Inconfidência Mineira, da colonização portuguesa, da mineração do ouro e do Barroco. Penso que vir a Ouro Preto, com a escola, é uma oportunidade incrível para aprender e também para se divertir.

Os estudantes vivem transitando pela cidade. Eu os identifico porque andam em grupo, vestem seus uniformes, falam alto e parecem estar muito alegres. Apesar disso, muitas vezes, noto que os professores que os acompanham agem de forma quase oposta: parecem impacientes, xingam muito e tentam ordenar o comportamento dos alunos a todo custo.

Bem-feito que caiu! Eu falei pra prestar atenção por onde andava! Ouvi uma professora esbravejar diante de um aluno estatelado no chão, tempos atrás. O menino parecia ter uns 7 ou 8 anos. Passei por eles, vi a cena e senti alívio por não ser uma professora como ela. Uma megera, pensei.

Minha redenção, no entanto, não durou muito tempo. A situação presenciada logo fez com que me lembrasse que, anos atrás, trouxe uma turma do Ensino Fundamental para conhecer o centro histórico da cidade. Àquela época, sempre que saíamos da escola, tínhamos o cuidado de combinar tudo o que podíamos e o que não podíamos fazer, mas, daquela vez, algo deu errado.

Enquanto subíamos uma rua, caminhando juntos, percebi que três alunas não estavam no grupo. Olhei para os lados, procurando as estudantes e não as encontrei. Parei e perguntei aos colegas se tinham visto onde as meninas haviam ido e ninguém me respondeu. Foi com muita insistência que me contaram que elas tinham combinado de se encontrar com alguns rapazes de uma escola próxima dali. Acho que nunca passei tanto aperto em minha vida! Meu coração disparou, fiquei trêmula e não sabia o que fazer! Ia atrás delas? Chamava a polícia? Ligava pra escola? E o resto dos estudantes que estavam comigo? Como deixá-los calmos sendo que eu estava quase desesperada?

Sem saber o que fazer, paramos ali mesmo, na calçada, e ficamos esperando. Depois de longos minutos, as três apontaram no início da rua, serelepes e sorridentes. Subiram correndo até a gente. Mal chegaram e eu despejei toda a minha raiva e preocupação nas três. Xinguei muito e em voz alta. Falei do risco que elas tinham corrido, do desrespeito ao nosso combinado e do quanto elas haviam me colocado em uma situação dramática.

À medida que eu esbravejava, a alegria das três jovens foi diminuindo... Quando me dei conta, notei que algumas pessoas que transitavam pela rua olhavam pra gente com estranhamento, e que os colegas estavam assustados e constrangidos.

Continuo, até hoje, lembrando dessa história com o coração apertado. E se algo acontecesse às meninas que estavam sob minha responsabilidade? A minha reação, entendo, demonstrou o desespero que senti, o medo de que algo terrível tivesse acontecido a elas. Só que, mesmo justificada, os meus alunos, as próprias estudantes fujonas e os transeuntes não sabiam disso ou, se sabiam, a minha reação demonstrava somente a raiva que eu estava sentindo.

Aquela não foi uma situação boa de se presenciar: eu, professora, esbravejando com três estudantes no meio da rua. Reconheci isso logo em seguida e precisei de muito tempo para dar conta de desembolar o nó que acabei contribuindo por criar. Naquele dia, não consegui, dadas as circunstâncias, assumir uma conduta amorosa e educar com afeto e compreensão. Não me culpo por isso, mas reconheço que agi como uma professora “megera”, assustada e em desespero. Desde então, ando mais atenta à forma como reajo ao que acontece de ruim ou de inesperado quando estou com meus alunos. Um exercício doloroso, mas necessário para eles e para mim.

(Eu sou a Elô Lebourg, idealizadora da rede Professores transformadores. Entre tantas coisas, sou graduada em História e mestra em Educação. Sou uma professora transformadora também, dessas que acredita que vai mesmo melhorar o mundo.)