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COLUNA DA CRISTIENE CARVALHO: Receita de um ano docente transformador

Texto 20

A cortina de mais um ano começa a se fechar e, entre avaliações e fechamentos dos ciclos de trabalho, convido vocês, professores, a pensarmos juntos sobre uma receita de ano docente transformador.

Ao longo deste ano, teci reflexões sobre os ingredientes da docência: formação inicial e continuada, inclusão, machismo, greve, posicionamento crítico, profissionalização, arte, tecnologias, trabalho colaborativo, racismo, avaliação, bullying e memória docente. Sem nenhuma intenção de oferecer receitas prontas que fossem inalteradas, saboreei, junto com vocês, experiências que foram, para mim, transformadoras. E, ao final dessa trajetória, me permito perguntar: haverá uma receita para um ano docente transformador?

Me arrisco a dizer que, para a receita de um ano docente transformador, é preciso peneirar um quilo de formação em uma mesa polvilhada de prática. Adicionamos aos poucos xícaras de resistência, mexendo a massa e salpicando esperança para que ela não endureça. Deixe os conteúdos descansarem em metodologias envolventes. Para saber se o ponto está bom, convide outro professor para provar e, caso esse trabalho coletivo dê liga, chame os alunos, pais, funcionários e comunidade para abrirem juntos e moldarem essa massa prática. Isso garantirá que ela estique sem furar. Caso aconteça algum incidente nesse processo, não se preocupe, isso é normal. Borrife diálogo e pincele formação continuada, assim a massa se adaptará à temperatura dos desafios práticos.

Chegou a hora de inserirmos o recheio. É bom nos atentarmos ao conteúdo básico nutricional do aprendizado. O aluno tem direito a se alimentar de tudo aquilo que seu corpo e mente necessitam para se desenvolver. Mas o recheio também deve ter um sabor que seduza seus sentidos e esteja em consonância com os hábitos alimentares e culturais daqueles que se proverão da comida. Para isso, podemos consultá-los sobre suas preferências com relação aos ingredientes e temperos das temáticas a serem trabalhadas.

Essa receita vem dos tempos em que, primeiro, se cortava a lenha, acendia-se o fogo e, só depois, começava-se a cozinhar em fogo lento. A paciência garante um cozimento lento e uniforme, que desperta os sentidos para provar novas experiências. Ao final de um ano, é preciso estar alerta para a receita não queimar devido ao cansaço que ameaça tomar conta. Com tudo preparado, convidamos a todos os envolvidos para a partilha. Nessa hora, saberes e sabores se misturam e percebemos que cada ingrediente foi fundamental para a construção do banquete de ensinar e aprender. Se avaliarmos o aprendizado do sabor e sentirmos falta de algo, ainda teremos tempo para preparar molhos de reelaboração constante com base na escuta, na reflexão e na ousadia. Esses molhos nos ajudam a compreender a receita do ano docente como uma partilha nutritiva de gostos, intencionalidades e gestos transformadores.

Finalizo este texto sentindo o sabor dessa receita e os aprendizados que ela me trouxe até aqui. Ouvir os desafios das práticas de tantos colegas professores foi fundamental para que esta partilha me ensinasse modos de cozimento que refletem práticas de um coletivo de professores presente nas reflexões aqui construídas. Tais reflexões despertaram meu olhar para a transformação presente nos desafios cotidianos, me mostrando que a transformação se faz a cada palavra, a cada pitada e a cada movimento de sovar o conhecimento. Como diria a minha avó, cada cozinheiro acrescenta um segredo único em sua receita. E você, professor, o que vê sendo essencial na receita de um ano docente transformador?

Abr@ço forte e sigamos reelaborando essa receita!

(Eu sou Cristiene Carvalho, arte educadora, pedagoga, mestre e doutoranda em Educação. Compreendo a Educação enquanto possibilidade de transformação do mundo. Em minha prática, oscilo entre a indignação diante das injustiças e a boniteza de acreditar nos sonhos (im)possíveis.)

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https://pixabay.com/pt/massa-de-p%C3%A3o-amassar-m%C3%A3os-assar-3468/

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