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COLUNA DO FABIANO CACHAMORRA: Um ano se passou

Texto 44

Faz um ano que você foi embora. Pouca coisa mudou. Mas alguns eventos nos fazem recuperar o fôlego e seguir em frente.

 

A escola continua a mesma, talvez um pouco mais bagunçada, afinal, o governo machista e opressor ainda é o mesmo. O semblante cansado dos nossos colegas parece ter aumentado, o desânimo algumas vezes fica aparente. Vamos para quase cinco anos sem reajuste, as turmas agora têm 40 estudantes e é difícil dar conta de tantos com tão pouco tempo.

 

A conversa na sala dos professores continua quase a mesma. Como está difícil dar aula para essa geração, como os celulares atrapalham, como as notas estão baixas... Além disso, nosso salário não completa o mês e vamos correr para dar aula em duas, três escolas. O fascismo está chegando cada vez mais perto. Agora, a discussão é se o Bolsonaro está ou não certo, se matar ou não está certo. Sinceramente, continuo com a mesma ideia: almoçar com os estudantes é mais divertido, apesar dos spoilers de Naruto que ganho quando faço isso.

 

Você tinha razão quanto aqueles gestores eleitos, a coisa foi para um lado nada democrático. Mas a gente citava Bakunin quando debatia sobre isso, lembra? Se você pegar o mais ardente dos revolucionários e der poder absoluto a ele, dentro de um ano, ele será pior do que o próprio czar.

 

O grêmio resolveu que deveria ter um nome. Decidiram fazer uma assembleia estudantil para isso, eram duas propostas de nome: a primeira Frida Kahlo; a segunda, adivinha? O seu nome! Passaram em sala, fazendo campanha e foi quase unânime. O grêmio hoje se chama GRÊMIO ESTUDANTIL PROFESSORA ALINE MARTINS. Isso já traz uma alegriazinha no coração, como sua memória permanece com eles e com a gente.

 

Te confesso. Às vezes, é tão difícil ter aquela doçura que você pedia, principalmente, depois que você sumiu. Cada situação ruim me lembra que a soma dessas coisas fez você ir embora. Você tem razão: que a gente perca a coragem, mas não a doçura. E quando o coração pega fôlego, sua frase volta e a gente tenta continuar.

 

Ainda esperamos por notícias suas. Até um dia!

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A Professora Aline Martins sumiu no dia 13/05/2017. A depressão se abateu sobre ela em um momento quando fomos massacrados pela PM, em uma manifestação no centro do Rio. Lutávamos por melhores condições de trabalho, por mais recursos para a sala de aula, por mais respeito. E o atual governo do Estado do Rio de Janeiro respondeu com bombas, balas de borracha e cassetetes. Depois disso, ela sumiu. Já faz um ano. Ainda tenho guardado na memória as últimas palavras de um áudio no WhatsApp. Elas diziam:

 

Nunca tive coragem, Fabiano. Era mais doçura pelo que faço mesmo. Depois de hoje, não sei se tenho isso mais. Esse governo, esses homens, me tiraram a doçura de acreditar que era possível mudar.

 

Na época, escrevi um texto sobre a diferença entre coragem e doçura. Hoje, só queria trazer a lembrança dessas palavras de novo e não esquecer a importância que nossas palavras têm na sala de aula. Por isso, a doçura deve compor o professor, para manter nossa capacidade de diálogo e de compreensão.

 

Abraços no coração!

 

(Fabiano Cachamorra, professor, filósofo, sociólogo e idealista da educação amorosa. É professor do sistema socioeducativo do Rio de Janeiro é sobre isso que escreverá para vocês às segundas.)