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COLUNA DA MARIA ALZIRA LEITE: A leitura nas lentes do cotidiano

Texto 11

Ler é, em última instância, não só uma ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo (SILVA, 1981, p. 45).

Chegamos no mês de julho! Alguns, provavelmente, já estão em recesso. Termino, então, o semestre abrindo um espaço para discussão sobre a ação de ler. Pensar sobre as práticas de leitura e suas representações é, de certo modo, refletir sobre a nossa própria história com os textos, numa relação dialética, na qual se envolvem o leitor e o cidadão. Acredito que a leitura abre novas possibilidades e nos cerca de sentimentos. Na verdade, passamos a “ver o mundo” de outra forma.

E, nessa esteira, ancorada no pensamento de ver, por meio de outros olhares, compartilho, aqui, uma experiência significativa. No meu último dia de aula, numa determinada disciplina, resolvi fazer uma espécie de “correção” individual. Na verdade, eu havia preparado uma aula dialogada, considerando as inadequações mais recorrentes na atividade avaliativa. Porém, quando entrei na sala, e vi aqueles semblantes ansiosos, preocupados com as notas, alterei a minha estratégia.

Aleatoriamente, comecei a chamar cada um a minha mesa. Eu entregava a atividade, o aluno lia essa atividade em voz alta para mim e começávamos a conversar sobre a sua escrita, os seus pontos de vista, as suas estratégias argumentativas. No decorrer desse diálogo, eu perguntava o que ele costumava ler, além do espaço escolar. Percebia uma certa timidez, em alguns discentes, no momento de falar sobre suas escolhas.

É incrível como alguns alunos são tão expressivos no meio da turma, mas, num momento mais restrito, ficam muito acanhados. Com um embargo na voz, muitos nem olhavam nos meus olhos. Eu insistia no questionamento: Mas... O que você costuma ler? E as respostas giravam em torno de textos religiosos, livros de autoajuda, cadernos de novelas e esportes, entre outros. Justificavam-se, ainda, dizendo que não gostavam de ler Machado de Assis.

Nesse momento, notei que muitos esperavam um ato de repreensão da minha parte. Num gesto de acolhimento, eu dizia: Que bom! Você lê! E, acrescentava: Quem sabe você também não possa escrever sobre as suas leituras? Seria uma forma de exercitar, também, a escrita!

Defendo que a leitura tem várias histórias: de dentro e de fora. Em diferentes momentos, nas diversas situações sociais das quais participamos – lendo um jornal ou um livro, navegando na internet, estudando, assistindo a um filme ou a um debate –, utilizamos nossas competências e habilidades para ver, expor e “sentir o mundo”.

Como professora, penso que é necessário entender um pouco de onde o nosso aluno fala, escreve e se posiciona! Eu tenho ciência de que vários são os nossos desafios, considerando os níveis de letramentos. Porém, tenho ciência, também, que não é defendendo uma linha pautada no “certo” ou no “errado”, em termos de leitura e escrita, que vamos avançar! Assim, é possível concordar que “as práticas e os modos de ler estão articulados aos espaços e situações sociais que correspondem a modos de vida ajustados (e desejados) aos hábitos urbanos da sociedade” (BRITO, 2003 p. 30). Nessa linha, penso que a ação de “enfrentar” determinadas ações de ler e de escrever, tendo em vista as especificidades dos gêneros, está em atividades que respeitam as vivências e experiências! Afinal, todos nós temos uma história com a leitura e com a escrita!

(Eu sou Maria Alzira Leite, professora transformadora, pesquisadora de temas que envolvem discursos de/sobre professores. Atualmente, estou como docente no Centro Universitário Ritter dos Reis/UniRitter, em Porto Alegre-RS.)

Referências

BRITO, L. P. L. Contra o consenso: cultura escrita, educação e participação. SP, Campinas: Mercado de Letras, 2003, p. 30.

SILVA, E. T. da. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. São Paulo: Cortez, 1981, p. 45.