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COLUNA DA GISELE MAGALHÃES: O jogo teatral na sala de aula

Texto 4

O teatro, sendo a arte do coletivo, tem, em sua natureza prática, diversas ferramentas que, por si só, auxiliam a convivência e o respeito entre seus praticantes. Em sala de aula, ajuda a romper as barreiras dos pré-conceitos e permite que os alunos dialoguem, interajam, discutam as diferenças trabalhando em prol da tão falada educação para a diversidade.

A aula com jogos teatrais, geralmente, segue um ritual onde o primeiro momento é destinado ao estabelecimento das regras e do objetivo. Depois, há a execução e finaliza-se com uma reflexão sobre o respeito às regras e se o objetivo foi alcançado. Durante essa conversa informal, é feita uma sondagem que permite aos professores compreender os interesses dos alunos.

Esses momentos, geralmente, em roda, funcionam como forma de conhecimento e de se construir um espaço aberto ao diálogo. O professor pode, ocasionalmente, permitir, no início da atividade, um tempo para que os alunos possam contar suas novidades, desejos, ansiedades, enfim, propor a criação de um espaço que, geralmente, não existe no ambiente escolar. Pode também relembrar o que foi trabalhado em aulas anteriores como uma forma de dar seguimento ao trabalho desenvolvido e, então, inicia-se o jogo pensado, previamente, para o dia.

Ainda é possível, a partir dessa conversa, elaborar jogos que trabalhem com os argumentos levantados pelo grupo ou com as necessidades percebidas para o grupo. Por exemplo, nesse ano, tenho salas onde a principal questão é a dificuldade em se concentrar e, em outras, a falta de confiança um no outro resulta em uma dificuldade imensa na hora de apresentar trabalhos. Além disso, existem aqueles casos pontuais onde o jogo é pensado para trabalhar com um aluno específico dentro daquele grupo e, de algum jeito, todos acabam se beneficiando.

A prática do jogo pode acontecer em qualquer disciplina desde que planejada, porém o profissional da área terá outro olhar na avaliação e em sua continuidade.

Os professores de teatro que lecionam na Educação Básica ainda são a minoria quando falamos nas linguagens da arte e nem sempre realizam jogos teatrais. O teatro ainda está conquistando o seu espaço na escola. Essa não é uma tarefa fácil, nem sempre há uma estrutura física e o professor de Arte ainda é visto como um profissional polivalente, ou seja, que deverá cumprir os conteúdos em arte indiferentemente de qual seja a sua área de formação (Educação Artística, Artes Visuais, Artes Cênicas e/ou Teatro, Dança e Música), mas não há como negar os benefícios que a linguagem do teatro pode proporcionar: autoconhecimento, concentração, respeito, trabalhar em equipe, desinibição, entre outros.

Destaco aqui uma experiência que tive em uma turma com um aluno com deficiência intelectual e autismo (leve): após lermos Morte e vida Severina, de João Cabral de Mello Neto, os alunos recriaram as cenas no papel e recortaram para trabalharmos com teatro de sombras. Num primeiro momento, a aula seria apenas expositiva, traria imagens sobre esse gênero teatral, mas percebi que meu aluno não entendia o conceito de sombra, não conseguia associar sombra à imagem e, dessa forma, não seria capaz de compreender o teatro de sombras em si. Foi feito um intenso processo com todos os alunos até se chegar na sombra dos personagens e na apresentação deles perante a turma. Primeiro, individualmente, e, depois, em grupos aleatoriamente escolhidos. Todos, sem exceção, realizaram a tarefa. A aula, que levaria duas semanas (quatro aulas), durou um bimestre e meio. A atividade que fiz objetivando, erroneamente, um aluno atingiu o grupo todo e, no dia da apresentação em sala, ele não pode esperar acabar o jogo para dizer aquilo que, ainda hoje (passados três anos), me emociona: Nossa! Parece que eu sou igual a todo mundo. Na hora, a sala foi invadida por um silêncio que muito me incomodou e que fiz questão de romper: Sim, você é. [observei-o] Não estou vendo nenhum outro olho! [todos riram]

Hoje, minha resposta seria diferente. Essa frase, dita por um garoto de 12 anos, mudou todas as minhas aulas desde então. Alunos também podem ser transformadores. Grata.

Referências

NETO de Mello Cabral, João. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. 167 p.

(Sou a Gisele Magalhães. Mulher, negra, mãe, artista, produtora cultural e professora de arte. Pertenço aos 0,1%, segundo o censo do MEC, de 2013, de professores da rede básica de ensino formados em Teatro e acredito na força dessa arte na formação do indivíduo e construção de sua autonomia.)