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COLUNA DA GISELE MAGALHÃES: Desabafos de uma professora em (trans)formação

Texto 5

Lembro, como se tivesse acabado de acontecer, da primeira aula que lecionei. Estava tão nervosa! Não sabia o que fazer com as mãos, quiçá com todo aquele conteúdo aprendido na faculdade, com todos aqueles planos de aula feitos durante o estágio. Na hora “H”, ou melhor, na hora/aula, era apenas eu e eles (os alunos). E eles sabiam como ser intimidadores. Já estavam acostumados a testar professores. É uma luta de sobrevivência.

Hoje, depois de sete anos, consigo perceber os movimentos desse jogo e acho até graça de comentários que escuto nos corredores da escola. De um lado, certos alunos que testam professores, do outro, alguns professores que entram na sala com a máscara da altivez do conhecimento, ou qualquer outra que julguem adequada, para se sentirem confortáveis em meio a um sistema que aprisiona a todos.

Perdi as contas de quantas vezes já ouvi frases como Você não pode ser boazinha senão eles vão “montar” em cima ou Não chega sorrindo, senão já viu, né? Não farão nada com você! Já ouvi dos alunos: Você tem que gritar mais! Bater com a régua na mesa, senão não vai conseguir dar aula. São tantos “se” que me pego indagando para onde caminha nossa Educação em todos os sentidos da palavra?

Ao escrever esse texto, percebo o quanto minha metodologia de ensino vem sendo transformada a cada aula, a cada turma, a cada ano. Verdades que julgava absolutas, hoje já não fazem diferença e atividades que cheguei a pensar “nunca irei fazer” se apresentam como possibilidades. Cada turma é um processo. Atividades que funcionam muito bem com uma nem sempre irão funcionar com todas e há aquela turma em que nada funciona... Bem, o jeito é continuar tentando...

Estamos em final de período e, ao corrigir o diário de bordo* (nome dado ao caderno de Arte) de uma aluna, me deparei com a seguinte frase: É a sua autoridade que nos faz aprender. Foi um chacoalhão. Me perguntei quantas vezes acabei sendo permissiva demais por não querer assumir uma postura autoritária.

De fato, neste ano, minha postura mudou. Estou mais segura. Assumi minha linguagem – o teatro –, e isso me possibilita trabalhar com o que acredito e respeito. Ser autoritária é diferente de ter autoridade. Entendi que o professor continua sendo a autoridade em sala de aula independentemente da forma com que ele trabalha – e ele precisa reconhecer isso para que seus alunos também o façam. É bom estar ciente de que ele é único professor que pode ser e que suas aulas jamais poderão ser ministradas por ninguém porque ninguém no mundo teve suas vivências. O sistema nos transforma em números, mas não devemos nos esquecer de que, antes de tudo, somos únicos.

* O diário de bordo é o caderno de Arte em que cada um dos meus alunos registram suas reflexões sobre os conceitos, conteúdos e jogos teatrais. Nesse caderno deve constar tudo o que foi apreendido durante as aulas e nas atividades extracurriculares em Arte (idas a teatros, museus, exposições, cinema, entre outras).

(Sou a Gisele Magalhães. Mulher, negra, mãe, artista, produtora cultural e professora de arte. Pertenço aos 0,1%, segundo o censo do MEC, de 2013, de professores da rede básica de ensino formados em Teatro e acredito na força dessa arte na formação do indivíduo e construção de sua autonomia.)