Voltar ao site

COLUNA DA ELÔ LEBOURG: Os professores e o ciúme

Texto 73

Logo no primeiro dia de aula, a turma do 9º ano me fez o convite: queriam que eu fosse a paraninfa da turma. Aceitei a homenagem com muita alegria e, então, começamos a conversar sobre propostas para a formatura. Estávamos muito empolgados!

O que eu ainda não imaginava, naquele momento, é que aquele convite detonaria uma série de problemas com meus colegas professores ao longo de todo o ano letivo. Alguns deles pareciam muito enciumados e começaram a me tratar mal. Minhas ideias passaram a ser recusadas antes mesmo que eu terminasse de apresentá-las. Certa vez, ao passar por uma sala de aula, ouvi um professor me criticar. Ele assegurava aos alunos que eu só estava sendo homenageada pela turma do 9º ano porque fazia de tudo para agradar. Não entendi bem o argumento do colega, mas, mesmo assim, achei sua fala muito perigosa. Ao optar por me expor daquela maneira, ele formalizava, para os estudantes, a existência de um clima de competição cruel entre os professores e, em consequência, as dificuldades de trabalharmos coletivamente.

Aos poucos, fui compreendendo que os ataques dirigidos a mim com mais frequência do que nos anos anteriores poderiam ter mesmo relação com a homenagem que eu receberia da turma que estava concluindo o Ensino Fundamental. Mas também entendi que, por mais desgastante que aquela situação fosse, ela poderia gerar aprendizado para todos. Assim, procurei adotar uma postura que incluísse os meus colegas professores na produção dos eventos da formatura e em outros projetos que eu estava desenvolvendo. Nada funcionou.

A partir daí, qualquer atitude simpática ou amável dos alunos dirigida a mim virava uma possibilidade de provocação na sala dos professores. Passei a evitar aquele espaço. Fui deixando de conversar com muitos colegas e perdendo as poucas possibilidades que tinha de propor projetos interdisciplinares com eles. Naquela situação, a postura enciumada e infantil dos meus colegas abalou muitas relações e afetou nosso desempenho na escola. O fôlego para criar e sustentar uma situação tão desconfortável poderia ter sido investido em algo mais produtivo.

Num contexto de tanta desvalorização dos professores, consigo compreender porque muitos deles se doeram com o convite feito a mim. Alguns deles estavam na escola há mais tempo e todos também trabalharam para que aqueles alunos se formassem. Mas, naquele protocolo de formatura adotado, era necessário escolher alguém. Terem convidado a mim não significava que os demais professores não eram bons ou dignos de serem homenageados. De certa forma, eu também representava o coletivo de professores e todo o nosso esforço.

O dia da formatura chegou junto com uma sensação de alívio e medo. Discursar lá na frente, para os meus alunos, suas famílias e para a equipe de professores foi difícil. A emoção do momento se juntou com a certeza das críticas e das piadinhas maliciosas com as quais alguns professores receberam minha fala. Aquele ano letivo se findou, para mim, cheio de dúvidas e angústias: quem consegue trabalhar direito com um clima assim? E mais: como é possível superar essas situações de ciúmes que prejudicam as relações entre os professores?

(Eu sou a Elô Lebourg, idealizadora do Professores transformadores. Entre tantas coisas, sou historiadora e mestra em Educação. Sou uma professora transformadora também, dessas que acredita que vai mesmo melhorar o mundo.)

broken image